Audiência pública reuniu o Mecanismo Nacional de Combate a Tortura, defensores públicos, representantes do poder executivo e familiares de penalizados para debater sobre o cenário das unidades prisionais
Problemas estruturais, goteiras em alojamentos, superlotação, alimentação inadequada, falta de materiais de higiene básica, castigos e tratamentos degradantes representam a realidade de pessoas em privação de liberdade em Pernambuco. Esses relatos foram elucidados por peritas do Mecanismo Nacional de Combate a Tortura em Audiência Pública promovida pela Comissão de Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular (CCDHPP) na Alepe, nesta quinta-feira (18).
O momento serviu de culminância a uma série de inspeções promovidas pelo Mecanismo nas unidades prisionais do estado. Pernambuco promovia essas atividades de fiscalização com o Mecanismo Estadual de Combate a Tortura. Porém, o instrumento foi um dos desmantelados no exoneraço do governo Raquel Lyra através da demissão dos peritos responsáveis pelo monitoramento. Diante dessa inatividade e de inúmeras denúncias, a frente nacional do órgão realizou visitas às penitenciárias de Buíque, Caruaru, Igarassu, além do Hospital Psiquiátrico Ulysses Pernambucano.
Na primeira parte da Audiência, as inspetoras do Mecanismo Nacional de Combate a Tortura apresentaram a relatoria das inspeções. As situações assistidas deflagraram um cenário amplo de violações aos direitos humanos, com pessoas privadas de liberdade sujeitas, sobretudo, a torturas e medidas punitivistas. Realidades de sub humanidade e que ferem o princípio da dignidade.
Em seu discurso, a deputada Dani Portela, presidenta da CCDHPP, relembrou os marcos negativos de Pernambuco como dono de um dos piores sistemas carcerários do Brasil e do mundo, além de apontar problemas que aprofundam esse título. Dentre eles, prisões provisórias potencializando as superlotações, ausência de penas alternativas e medidas do poder executivo que podem somente ampliar as lacunas como a inauguração de novas unidades prisionais.
Para a parlamentar, é preciso mudar toda uma lógica a fim de resolver as problemáticas. “Depois dessas inspeções voltamos estarrecidas e preocupadas. É preciso intervir urgente nessa situação. Se a gente olhar o custo de um preso para a máquina pública do estado dentro de um ano é superior ao que seria gasto numa escola integral no mesmo período. Essas mães, em sua maioria negras, de filhos jovens, negros, periféricos, queriam ver seus filhos no banco da escola ou no banco de réu? Quando o estado brasileiro vai se responsabilizar por uma efetiva democracia onde se chegue em todos os territórios periféricos com política e não com a polícia? A polícia chega. Não se vê escola, não se vê saúde, política pública de lazer, esporte, saúde, cultura, mas vê a polícia. Chega muito rápido, confundindo uma furadeira com uma espingarda, um guarda-chuva com uma arma, mas não confundem essas pessoas. Para cada bala perdida, há sempre um corpo negro encontrado. Precisamos debater segurança pública sobre uma outra lógica para que tudo isso mude”, pontuou.
A Audiência Pública ainda reuniu defensores públicos, representantes do poder executivo e familiares de penalizados. Uma das falas que chamou atenção à tribuna foi a de Wilma Waldomiro, defensora pública que acompanha a situação das unidades prisionais do estado há anos, representando o Comitê Estadual de Prevenção e Combate a Tortura. “Vivemos uma sociedade punitivista por engano porque não temos a pena de morte ou a prisão perpétua, mas temos a tortura, maus tratos, penas executadas de forma degradante. É uma realidade que não só envolve a pessoa que está em situação de encarceramento, envolve também a família. Convido todos que não conhecem a prisão a passear por lá, para entender onde está a Casa Grande e a Senzala. Sala de diretor bonita, ar condicionado, mas quando vai na Senzala, conhece a prisão, em sua maioria cheia de negros e pobres”, denunciou. As falas também mencionaram pessoas privadas de liberdade sofrendo assédio após visitas e insegurança por parte dos defensores públicos em suas idas às unidades prisionais pela má recepção das equipes.
O encontro também acolheu a escuta de familiares de pessoas penalizadas que teceram críticas ao poder executivo. “Lamento só ter a secretária de Justiça e Direitos Humanos do Governo para debater um tema tão importante. Isso só demonstra desrespeito e descaso. Meu filho hoje, é um sobrevivente do sistema. O Governo que trabalha exclusivamente para o encarceramento do povo preto só garante o aumento da violência. Só demonstra um tripé de desigualdade que a sociedade vive, de gênero, raça, porque os presídios são navios negreiros, e de classe, porque quem tem dinheiro passa longe dos presídios”, enfatizou Liliane Barros, mãe de penalizado e representante do Fórum Popular de Segurança Pública.
Os encaminhamentos desenvolvidos na Audiência Pública estabelecem pedidos de informação sobre a reestruturação do Mecanismo Estadual do Combate a Tortura além de estruturar em termos as denúncias e provocações feitas na ocasião. Este documento será enviado ao poder executivo em busca de respostas.